Um Guia Especial de Cafés Especiais

Um Guia Especial de Cafés Especiais

O café é um produto tão magnífico que, mesmo sofrendo mudanças de acordo com a cultura atravessou séculos, gerações e encontrou sua maneira de fazer parte da história do mundo. Ele estava aqui antes de todos nós e continuará quando partirmos. Café é objeto de lendas, histórias, canções, além de ter movido e ainda mover todo um mercado até ser consagrado como a segunda bebida mais consumida do mundo, perdendo apenas para a água, mas cabe aqui uma reflexão: “se usamos água para fazer café, será que nossa querida bebida não ocupa o primeiro lugar? “ 

Nosso querido grão foi, é e será objeto de muitos estudo científicos, sociais e até mesmo bons livros. Minha ideia com esse guia prático de três volumes não é refutar nenhum conhecimento ou reinventar a roda, mas sim resumir de maneira atualizada questões de extrema relevância para aquele consumidor que quer aprender mais e consumir melhor. Trabalho com café por mais de 15 anos, então fiz um compilado das dúvidas que mais escuto e tenho respondido durante esse tempo dividido da seguinte maneira: 

Para te oferecer um conteúdo da mesma qualidade do café da Nossa Familia Coffee, entendo que devo dividir o guia em três partes. No primeiro volume, contextualizo pontos que todo o consumidor se depara ao comprar um café. Essas informações geralmente estão no próprio pacote ou no site, mas muitas vezes provocam mais dúvidas do que respostas. No segundo, vou abordar técnicas necessárias para fazer o melhor café possível, explorando ao máximo o seu grão. E no terceiro vou trazer algumas dicas e receitas. 

Farei meu melhor para trazer conhecimento de qualidade de maneira resumida. 

O Brasil é o único país do mundo que tem a palavra “café” incorporada no nome de duas de suas refeições, não por acaso é durante o café da manhã e o café da tarde que a maioria de nós consome nosso saudoso cafezinho, ou cafézão dependendo do que você tem consumido.  

Se você é daqueles que toma uma xícara depois do almoço, parabéns, pois você faz parte do grupo que ajuda a nos colocar no top 3 maiores consumidores do mundo. Isso também para honrar nossa posição de maior produtor de café do planeta, ou seria do sistema solar? 

Neste cenário, a mais de cem anos a Família Carvalho Dias vem produzindo café em padrões de qualidade cada vez mais elevados, com o aprimoramento de seu conhecimento, técnica e investimento. Mas há também aqueles que trilharam caminhos um pouco diferentes, mas ainda assim dentro desse universo. Esse é o caso do fundador da Nossa Familia Coffee: Augusto. Ele fundou a empresa em 2004 nos EUA e depois de muito importar, torrar e servir café por lá, foi em 2021 que ele reencontrou o Rafael, o diretor executivo da filial Brasileira, e assim nasceu o projeto de trazer a empresa de volta às suas origens. Esse projeto é apenas uma parte do que acontece quando um descendente inquieto de uma família produtora centenária e um barista campeão, que vive e respira café, estão à frente de uma empresa de cafés especiais no mercado brasileiro, pois entendem que qualidade também precisa ser comunicada para ser praticada, já que é um conjunto de fatores. 

 Arábica e Canephora, variedade que reflete no sabor final 

Se você ainda não escutou esses nomes, saiba que não está só. Existe uma imensa variedade da planta coffea, que é o nome técnico para o nosso querido pé de café, assim como automaticamente existem variedades do fruto café. Comercialmente, esses são os dois mais produzidos no Brasil e no mundo, isso porque eles têm características genéticas que fazem toda a diferença em seu ciclo de vida e produção. Por isso a escolha do grão deve ser muito bem pensada, pois isso terá impacto durante todo o ciclo de cultivo, sendo que cada variedade apresenta maior ou menor resistência às pragas, clima e diferentes desempenhos dependendo da altitude, entre outros aspectos que devem ser considerados, pois tudo vai ser refletido na xícara.  

Dessa forma genética, mais fatores externos (definido como terroir) vão se refletir de maneira sensorial quando chegar a hora de consumir esse café. Saber a variedade que você está consumindo, seja ela um Bourbon ou Catuaí, é apenas uma entre tantas questões que envolvem a qualidade na xícara. Por hora, queremos que você entenda que geneticamente os cafés da variedade arábica são mais propensos a oferecer sabores e aromas em maior volume e complexidade, se comparados com os da variedade canephora. Por isso também que, ao falarmos de blends (misturas de dois ou mais grãos ou o mesmo grão com pontos de torra diferente) de café especial, falamos automaticamente de blends 100% compostos por cafés da espécie arábica. Assim são todos os blends definidos e usados pela Nossa Familia Coffee EUA e Brasil. 

 

Café é uma fruta! 

Essa informação ainda causa muito estranheza para muitas pessoas, mas quando entendemos que café é sim uma fruta e o que isso quer dizer, é um passo muito importante para a jornada da compreensão de qualidade. O café é um fruto não climatérico, ou seja, quando colhido do pé ele para de amadurecer, isso é uma característica boa e ruim ao mesmo tempo, pois se ele estiver no ponto ideal de maturação estará, em teoria, perfeito. É nesse momento em que a casca externa estará vermelha ou amarela, dependendo da variedade. O problema reside mesmo em se ela está antes ou depois desse estágio ideal de maturação, onde a casca externa apresenta ainda o tom verde, ou posterior ao ponto ideal, onde a tonalidade será um marrom muito escuro, quase preto, e geralmente com aspecto desidratado. 

Defeitos, vilões da bebida de qualidade 

Já que citamos o campo, convém falar sobre grãos que apresentam defeitos. Um defeito é todo o grão que não está em seu estado perfeito, tanto físico quanto de maturação e que, se levado até a xícara, trará sabores indesejados para a bebida, como amargor excessivo e adstringência. Grãos ardidos, pretos e verdes são defeitos provenientes de maturação, em suma são grãos podres, passados e imaturos. Vale aqui lembrar que café é uma fruta e fazer um paralelo: beber um suco de laranja feito de laranjas imaturas ou passadas teria um bom sabor? Então por que com café seria diferente? Também podemos considerar questões físicas como defeitos, os frutos brocados por exemplo (sementes perfuradas ainda no pé por uma praga chamada broca), ou quebrados (grãos que poderiam ser perfeitos, mas devido o manuseio incorreto quebram), se torrados junto com grãos perfeitos, não alcançam os sabores ideias, pois tem massa diferente e, durante a torra, não vão torrar de maneira homogênea, entre outros motivos.  

Café especial VS comercial 

Existem grandes diferenças entre cafés especiais e cafés comerciais. A principal delas é o sabor, que é resultado da matéria prima usada. Ainda que seguindo regras estipuladas pela indústria brasileira, os cafés comerciais na grande maioria das vezes vão misturar grãos da espécie Arábica com Canephora, sendo que parte de seus blends vão apresentar grãos com defeitos. Aqui entra também questões como ponto e data de torra, entre outros aspectos. Já um café especial é composto apenas por grãos rigorosamente selecionados, sendo 100% deles da espécie Arábica, onde ficam de fora todos os defeitos que trazem sabores que não queremos perceber ao consumir uma xícara de café. 

Regiões produtoras brasileiras, suas localidades e seus sabores

O café chegou no Brasil no século XVIII e por muito tempo foi responsável por boa parte da riqueza do país. Ainda não somos o maior consumidor do mundo, mas estamos a caminho. 

Você já deve ter ouvido falar que o café de um determinado país que não o Brasil é o melhor do mundo, mas posso assegurar que, principalmente no momento atual, o café brasileiro com suas 34 regiões produtoras (e contando) não deixa nada a desejar se comparado com alguma outra região produtora mundo afora. Cada região tem aprimorado suas técnicas, pois vem estudando cada vez mais o fruto, o solo, o clima e o manuseio de lavoura. Assim como processamento, colheita e beneficiamento, isso significa que cada vez mais o produtor tem alcançado melhores resultados com suas lavouras, pois tem entendido e trabalhado ao máximo o seu potencial.  

Por isso, ao pesquisar para comprar cafés de qualidade, não se assuste se você encontrar descrições sensoriais que envolvam chocolates, frutas, flores e até mesmo especiarias. Assim como níveis de corpo, doçura, acidez, fermentação desejada e sabor residual. Café é um produto maravilhosamente complexo que vai sim apresentar notas sensoriais naturais, sem a necessidade de xaropes ou essências. Por isso um grão da região do sul de Minas vai apresentar características diferentes como acidez mais elevada do que um grão do cerrado mineiro, que apresenta mais corpo, por exemplo, até mesmo da Alta Mogiana. Isso sem falar da Bahia ou do Espírito Santo. Região é apenas uma parte da construção de sabor, mas não é determinante. 

Processamento e ciclo, como eles corroboram para construir sabores 

O café é uma fruta de produção anual que segue seu sagrado ciclo, todo o pé de café demora três anos para chegar até sua fase adulta, e é apenas em seu segundo ano que ele produz, pela primeira vez, algo em torno de 65% de sua capacidade real, que vem apenas em seu terceiro ano de vida. Em seus anos seguintes de produção, a colheita se iniciará com a florada. Eu diria que, de todos os estágios, esse é o mais cheiroso. Toda a lavoura é tomada por flores brancas que tem uma fragrância muito parecida com jasmim. Logo que as flores caem, temos o surgimento dos primeiros frutos do café, que são chamados de chumbinho, que maturam até os grãos: verde, cereja, boia e passa. 

Passada a maturação dos grãos, temos a colheita e finalmente o início do processo de beneficiamento e seca. Vale ressaltar que a potência do café surge e se desenvolve na lavoura e processamento, torra e extração apenas exploram aquilo que foi desenvolvido. 

A colheita brasileira ocorre basicamente durante o nosso inverno. Por questões técnicas muito importantes, todo o café deve ser comercializado sob mais ou menos 11% de umidade. Isso independe de qualquer fator, mas saber como ele chegou nesses 11% de umidade faz toda a diferença no que se refere a sabor. 

Café Natural: termo usado para designar os cafés que secam "naturalmente", pois secam com todas as películas, inclusive e principalmente com sua casca externa, aquela que foi verde ou vermelha, mas nesse estágio final de seca do natural estará quase preta. O diferencial positivo desse processo é que ele acentua o potencial sabor frutado, doçura e corpo para a bebida final. Mas nada são só flores, pois problema é: se houver uma fermentação indesejada, o sabor residual de fruta mais intensa se torna fruta estragada, isso porque a seca se torna mais lenta, dando mais oportunidade para fungos e bactérias indesejadas. 

Café Descascado: também chamados de "honey’s black, red ou yellow honey. Nesse processo a casca externa é removida e, com ela, parte da mucilagem (uma das películas do café). Essa técnica de remoção permite uma seca mais rápida dos grãos, já no sensorial mantém parte dos sabores residuais dos cafés naturais, mas também puxa parte do residual dos cafés lavados. 

Café Lavado: nesse processo, além da casca externa, retira-se toda a mucilagem (pois ela é o gatilho para os processos de fermentação indesejada) com processos de fermentação e controlada pelo produtor, lavando-se novamente depois (por isso cafés lavados), pois aqui o intuito é fazer a seca o mais livre possível de qualquer chance de fermentação indesejada (sem controle do produtor). Quanto mais homogênea e livre de contaminação for a seca, mais isso apresentará excelente sabores finais. Há quem defenda que cafés lavados têm sabor residual mais limpo e homogêneo com uma acidez e corpo típicos de cafés lavados. 

Minha mensagem aqui é uma só: não tem regra e muito menos certo ou errado, esses processos envolvem uma série de questões que vão muito além de sabor final na xícara. Envolve água (pois dependendo o processo usa-se muita água, além de poluir parte dessa água, sendo necessário tratá-la antes de devolvê-la para o meio ambiente), logística, oferta e demanda... Minha intenção é fazer você entender que quando você ler na embalagem: “natural, CD ou Cereja Descascado e lavado”, saber que existe ali uma tendência de perfil sensorial que, se bem trabalhada na torra, se manterá. 

A influência da altitude da lavoura 

Altitude exerce sobre o café pressão atmosférica, mas principalmente consegue impelir o clima da lavoura. Ao passo em que a espécie Canephora se desenvolve bem em altitudes inferiores a 700 metros acima do nível do mar (isso tomando como parâmetro o Brasil), altitudes mais elevadas são geralmente melhores para o café arábica, pois vão oferecer um clima mais estável para o desenvolvimento do fruto e manutenção da planta. Isso se dá porque lavouras de café, em especial o arábica, não gostam de clima extremo, seja ele frio ou quente, seja durante o dia ou noite. 

Isso está longe de ser uma regra absoluta, pois como foram feitos os tratos culturais daquele solo antes e depois da safra, como foi “alimentado" aquele pé de café, se houve sombreamento na lavoura se necessário e com quais árvores, qual a variedade é cultivada, em qual região, quanto de chuva aquela área recebeu e em quais momentos, se houve seca quando necessário... São tantas as questões no que compete a lavoura, que altitude é apenas um dos tantos fatores predominantes quando o assunto é qualidade na xícara. Não se limite a experimentar ou comprar apenas cafés de elevadas altitudes, no final das contas o que importa mesmo é o sabor e qualidade da bebida final. 

A influência da torra 

Torrar café é uma missão de extrema responsabilidade e complexidade. É intrínseco que o torrador saiba o que está fazendo, é uma arte prática que mistura química e sensorial. Torrar é trabalhar em cada estágio do processo para realçar o potencial máximo de cada grão. Mas via de regra: quanto mais clara for a torra, mais ácido (de uma maneira muito positiva) doce e frutado, ou floral, dependendo do café, tende a ser a bebida. Torras escuras vão evidenciar amargor (se bem feito, será positivo, típico de chocolate com concentração elevada de cacau) e diminuir bastante acidez. Já a torra média, como o próprio nome diz, será o meio termo onde o equilíbrio entre sabores e percepções reina com notas de caramelo entre outras. Entender os resultados de cada tipo de torra terá bastante relação com o seu perfil de café ideia. Certo e errado nesse caso não se aplica.


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